sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um Sol


Há três anos, numa das minhas incursões a Serrazes, fui conduzido até junto de um muro de pedra em pleno burgo, onde, dentre o granito azul predominante, se destaca uma pedra rosada que entra pela calçada abaixo. Gravadas tem algumas covinhas mas no seu lado direito, parcialmente enterrado no empedrado do caminho, revela um grupo de círculos concêntricos em tudo idênticos aos da Pedra da Escrita que dali dista em linha recta, cerca de mil e quinhentos metros.

O círculo exterior tem 40 cm. de diâmetro, mais 8 cm. que o maior – correspondente ao Verão – da Pedra da Escrita.

Sendo evidentes dois modos distintos de picotagem e dois níveis de erosão bem identificados que situam as gravações em tempos diferentes, colocou-se-me a questão se aquelas circunferências - dado o rigor imposto na sua feitura e o da sua geometria, sem dúvida saídos dos dedos da mesma família de artesãos - não teriam pertencido a uma tentativa, hipoteticamente abandonada, de produzir um outro calendário solar que a Pedra da Escrita teria vindo a substituir. Pura especulação, mas, até à sua confirmação devo contemplar todas as hipóteses.

Com a colaboração da Junta de Freguesia, procedeu-se no passado dia 6 de Julho aos trabalhos que se impunham: levantar a calçada para ver onde terminava a rocha para tentar perceber se fora para ali deslocada com o auxílio de uma zorra (era a hipótese mais plausível, pois existe outro pedaço de pedra com a mesma coloração no já citado muro), se ali teria estado sempre, ou ainda se haveria mais incisões.

Estas dúvidas foram prontamente dissipadas pelo aparecimento do corte da pedra em cunha larga, para ali transportada há cerca de um século, aquando da construção da casa que o muro cerca.

É nítida uma contida representação solar com três raios, numa capacidade de síntese impressionante.

A semelhança com os círculos da Pedra da Escrita é notória. Porém, no caso presente, porque se trata de um granito mais duro, os círculos, não tendo sido objecto de uma incisão tão profunda, são mais precisos.

Serrazes é uma terra com tradição no trabalho em pedra. Se, por um lado, a freguesia se desenvolveu graças a esse labor, por outro provocou a destruição de uma boa parte do seu património lítico, facto mais acentuado nas últimas décadas.

Neste sentido importa, em primeiro lugar, sensibilizar os responsáveis autárquicos para a importância da sua conservação, eventualmente com vista a um turismo cultural mais sensato que o da casca de melão que tudo leva à frente, tudo destrói.

Depois há que sensibilizar as populações – existe uma forte vontade da Junta de Freguesia que nesse sentido precisa de ser apoiada – para a circunstância de aqueles vestígios pertencerem aos seus antepassados; chamar a sua atenção para o facto de ao destruí-los, estarem a destruir os cemitérios dos seus antepassados, os ícones que veneraram, os instrumentos que conceberam para mais conscientemente amanharem a terra, da qual extraíram o sustento que os fez gente cujos descendentes são eles próprios.

Longo texto, mais um longo texto para um blogue. Mas também não venho todos os dias!

David de Almeida

Outro Sol. Este meu.



Data de 1999.
Foi Prémio Nacional de Gravura do Museu de Gravura Espanhola Contemporânea no mesmo ano.

Convivi com muitos sóis – as gravuras do Vale do Tejo são férteis em iconografia solar - fui por eles muitas vezes motivado.
Mas este, o agora reaparecido em Serrazes a que me refiro na entrada anterior, veio mostrar em termos formais e estéticos, a vanguarda daquele Homem
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David de Almeida

sábado, 11 de julho de 2009

2009


Na tentativa de estabelecer uma relação da luz da Lua com os círculos marginais aos determinantes dos Solstícios e dos Equinócios, fui, acompanhado por alguns amigos, até à Pedra na noite de Lua Cheia que se seguiu ao Solstício de Verão.
Mostrou-se pelo lado direito da Pedra - o oposto ao do nascer do Sol - por aí a circundando. Seguimo-la, luz difusa por entre a ramagem cerrada até esbarrar num dos pilares de betão do telheiro* que, ao projectar sombra, não nos permitiu seguir o seu trajecto.
Com a lanterna de que nos socorremos para chegar ao local, iluminámo-la com luz rasante.
Revelou mais um círculo com o centro bem vincado e, eventualmente, o que resta de um outro, numa das zonas fracturadas da face, imperceptível com a luz do dia.
Improvisámos algumas fotos.
O resultado desta fonte de luz, mostrou que, com meios mais sofisticados, foi o processo usado na ilustração publicada no livo intitulado Pré-história de Portugal do Prof. M. Farinha dos Santos (ed. Verbo 1974) que, apesar da particularidade de ter a imagem invertida, revela com fidelidade a maioria das intervenções provocadas quer por mão humana quer por acidentes difíceis de determinar.
Voltaremos.
David de Almeida
* "... protegida por telheiro de zinco sobre pilares e vigas de betão, destoantes" - segundo a ficha de inventário da antiga DGEMN, hoje integrada no IRHU. Afinal não é de zinco, mas de amianto rachado por onde pinga a água das chuvas, provocando uma erosão irregular.