sábado, 12 de novembro de 2011

Aparências do abismo

"[...] Está subjacente a esta obra um exercício sublimado que remete, de imediato, para uma aproximação a algo de mais profundo. Daí que na superfície da tela ou do papel, através de terras gretadas, de negros queimados, de cálidos carmesins e de inquietantes cinzentos, de materiais sólidos como a serapilheira, o cobre, o contraplacado de madeira, o ferro e o aço inoxidável se contextualize uma simultaneidade epistemológica em que a representação é limitada, o que não exclui nenhum significado possível, mas apenas linhas de um horizonte perdido, espaços desérticos, o vazio, nos quais encontramos o fervilhar do pensamento, facultando o momento da reflexão.

Mas... onde conduz esta introspecção que surge daquilo a que Barnett Newman chamou a “verdade do vazio”? Esse vazio conduz à plenitude, a partir do desconhecimento inerente a todo o princípio até que a obra esteja concluída. O caminho, o processo, não está previamente definido, vai-se descobrindo enquanto o trabalho vai tomando forma, à medida que a obra se vai construindo.

David de Almeida converte o espaço revelado no lugar da epifania, mas fá-lo devido a um registo variado de sugestões, baseadas em tonalidades e geometrias diversas, sem recorrer a convincentes preceitos morais perante os quais o espectador se possa sentir manipulado. A obra resulta então num espelho da consciência do homem que a concebe e é nessa exploração que o espectador se dá conta de como se pode encontrar a si mesmo.[...]"

Carlos Alcorta, Apariencias del abismo. In catálogo exposição David de Almeida, Sala Robayera. Miengo, Cantábria, Espanha. Março, 2011

Tradução de David de Almeida

quarta-feira, 22 de junho de 2011

mas não subiu para as estrelas se à terra pertencia

A proposta consistia em projectar um memorial para José Saramago, a implantar em frente à Casa dos Bicos, Sede da Fundação que tem o seu nome. Ali seriam depositadas as cinzas de José junto de uma oliveira vinda da Azinhaga, sua terra natal, donde vieram também muitas das suas memórias de infância.
Um banco onde os visitantes se sentassem deveria fazer parte do conjunto.
A frase que serviu de epitáfio a Baltazar Sete-Sóis no "Memorial do Convento" seria também o epitáfio de José Saramago.
O lugar não era pacífico, dada a sua carga histórica.
Mas seria, também por isso mesmo, o mais indicado para acolher as cinzas do Nobel. Será certamente um lugar muito visitado, quase diria de peregrinação, sobretudo por parte dos povos Hispânicos que, com alguma razão, o consideram também seu.
O meu primeiro pensamento voou para as cerimónias rituais dos povos que deram origem à Turquia, concretamente Çatal Huyuk ou, mais recentemente, dos Romanos que conviviam com os seus após a morte integrando-os nos espaços onde se reuniam para comer ou para dormir.
E assim também ele, José, o generoso e solidário, estaria sempre junto de nós, sempre à mão para um conselho avisado "de optimista bem informado"* .
E nessa base se esboçaram algumas ideias que, por razões várias foram ficando pelo caminho.
Dadas as dificuldades em construir em altura - a proposta mais elevada até então tinha um metro e cinco centímetros contados do chão - sugeri uma faixa em lioz com o texto constituído por letras em latão embutido na pedra, a incrustar na calçada em ambos os lados da oliveira cuja caldeira atravessaria.
Esta foi a ideia que conseguimos aprovar e que todos abraçámos. Está lá mas não se impõe. Há que descobri-la.
Começava a escassear o tempo para execução dos trabalhos mas faltava-nos ainda o banco. Foi um desejo do José, havia que cumpri-lo. O visitante ou o turista poderiam ali sentar-se a folhear um livro, a olhar o Tejo, ou simplesmente a descansar à sombra da oliveira.
A Pilar pediu que o banco fosse confortável, que não tivesse arestas que perturbassem quem nele se sentasse. Um banco onde se estivesse bem.
Espero ter correspondido ao desejo de ambos.
A rocha utilizada foi lioz, pedra que é a base da construção do Convento de Mafra; os artesãos que comigo colaboraram são da região de Pero Pinheiro, gente que o José tão bem retratou no "Memorial do Convento" e que generosamente colaborou na execução do Memorial.

* quando diziam que JS era um pessimista ele esclarecia que um pessimista é um optimista bem informado

mas não subiu para as estrelas se à terra pertencia


A proposta consistia em projectar um memorial para José Saramago, a implantar em frente à Casa dos Bicos, Sede da Fundação que tem o seu nome. Ali seriam depositadas as cinzas de José junto de uma oliveira vinda da Azinhaga, sua terra natal, donde vieram também muitas das suas memórias de infância.
Um banco onde os visitantes se sentassem deveria fazer parte do conjunto.
A frase que serviu de epitáfio a Baltazar Sete-Sóis no "Memorial do Convento" seria também o epitáfio de José Saramago.
O lugar não era pacífico, dada a sua carga histórica.
Mas seria, também por isso mesmo, o mais indicado para acolher as cinzas do Nobel. Será certamente um lugar muito visitado, quase diria de peregrinação, sobretudo por parte dos povos Hispânicos que, com alguma razão, o consideram também seu.
O meu primeiro pensamento voou para as cerimónias rituais dos povos que deram origem à Turquia ou, mais recentemente, dos Romanos que conviviam com os seus após a morte integrando-os nos espaços onde se reuniam para comer ou para dormir.
E assim também ele, José, o generoso e solidário, estaria sempre junto de nós, sempre à mão para um conselho avisado "de optimista bem informado"* .
E nessa base se esboçaram algumas ideias que, por razões várias foram ficando pelo caminho.
Dadas as dificuldades em construir em altura - a proposta mais elevada até então tinha um metro e cinco centímetros contados do chão - sugeri uma faixa em lioz com o texto constituído por letras em latão embutido na pedra, a incrustar na calçada em ambos os lados da oliveira cuja caldeira atravessaria.
Esta foi a ideia que conseguimos aprovar e que todos abraçámos. Está lá mas não se impõe. Há que descobri-la.
Começava a escassear o tempo para execução dos trabalhos mas faltava-nos ainda o banco. Foi um desejo do José, havia que cumpri-lo. O visitante ou o turista poderiam ali sentar-se a folhear um livro, a olhar o Tejo, ou simplesmente a descansar à sombra da oliveira.
A Pilar pediu que o banco fosse confortável, que não tivesse arestas que perturbassem quem nele se sentasse. Um banco onde se estivesse bem.
Espero ter correspondido ao desejo de ambos.
A pedra utilizada foi lioz, rocha que é a base da construção do Convento de Mafra; os artesãos que comigo colaboraram são da região de Pero Pinheiro, gente que o José tão bem retratou no "Memorial do Convento" e que generosamente colaborou na execução do Memorial.

* quando diziam que JS era um pessimista ele esclarecia que um pessimista é um optimista bem informado

O banco

Memorial a José Saramago

Memorial a José Saramago