quarta-feira, 10 de novembro de 2010

It's a movie!

NY - short story 5

Columbus Circle, 31/10/10

Como que telecomandados, alguns táxis movimentam-se lentamente na rotunda, ora para a frente, ora para trás, voltando a ocupar o lugar de onde haviam partido.

Uma ambulância vinda da 59th St., cortou o círculo em linha recta e passou o semáforo subindo a Broadway, voltando alguns minutos depois para se juntar à coreografia dos táxis: ora para a frente, ora para trás.

Um carro do FBI, que há instantes rompera rotunda adentro largando “polícias” armados apontando na direcção do nada, está agora imóvel diante do USS Maine Monument rodeado de “fardas” relaxadas e bocejantes.

Junta-se gente, a produção tenta afastar os turistas e, com a ajuda da polícia, controlar o trânsito – é manhã de domingo e o tráfego começa a intensificar-se – tarefa que se torna difícil: os carros, os “polícias”, os figurantes, já mal se descortinam entre os mirones.

Surge então, brotando do coração do Central Park, um ciclista equipado a rigor. Pára a bicicleta, apoia-se no pé esquerdo e pergunta-me: What happened?

It’s a movie, respondi.

Franziu o nariz e retorquiu: No. It’s a real car from the FBI.

Deu meia volta dirigindo-se ao grupo mais próximo.

Pouco depois voltou a passar entre mim e o tal carro verdadeiro do FBI e disse com ar decepcionado:

- It’s a movie!

O medo do terrorismo – durante a última semana foram enviados, por via aérea, explosivos do Sudão - leva-os a desejar a proximidade das forças de intervenção.

Mesmo que empunhando armas "de plástico", como era o caso.

sábado, 6 de novembro de 2010

NY - short story 4

Manolo Valdés, Velazquez e a Descoberta da América

Columbus Circle foi recentemente apetrechada com cinco esculturas em bronze – quatro “Meninas” e uma “Dama a cavalo” - de Manolo Valdés, artista Valenciano radicado em NYC.

Rotunda e Praça em simultâneo, com alguma poluição visual é, depois de Times Square, o local mais visitado de Manhattan o que significa a circulação de milhares de turistas ao longo do dia.

Defronte da Trump Tower, entre a Broadway e Central Park West, a alguma distância da Rotunda, um globo em aço inoxidável polido, kitsch e brilhante como tudo (ou quase) o que é Trump, acrescenta ainda mais “ruído” ao conjunto.

Sou apreciador da obra de Valdés.

As “Meninas”, juntamente com a “Dama a cavalo” (Isabel de Bourbon?) foram dispostas na área que circunda o monumento a Cristóvão Colombo e empurradas para as bandas, tornando difícil uma observação calma e conveniente.

A “Dama a cavalo”, essa evapora-se no meio daquela confusão.

Num local adequado estas obras teriam um público interessado, que não o que nelas se vai empoleirar para tirar as fotografias da praxe, ignorando em absoluto o que lhe serve de apoio (temos dificuldade em olhá-las por inteiro, pois sempre têm um emplastro grudado).

Compreendo que Manolo Valdés aprecie a ideia de ter sido seleccionado aquele espaço tão ligado a Espanha e à Descoberta da América para implantar o conjunto.

Não querendo entrar em polémicas sobre o “descobridor” de tão precioso Continente (Corte Real, Vespúcio, Colombo ou os nativos vindos pelo estreito de Bering), constato que, pela via do seu talento Valdés foi também um descobridor da América.

Daí que a sua obra possa ter um lugar próprio sem o partilhar com outrem, nem que de Colombo se trate.

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Manolo Valdés em Columbus Circle


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

NY - short story 3

Contestadas por cerca de metade dos nova-iorquinos, recentemente votada sem êxito na Câmara Municipal a sua erradicação, as charrettes do Central Park transportam o cheiro das expulsões fisiológicas dos equídeos até ao hall dos luxuosos apartamentos e hotéis de Central Park South, junto aos quais estacionam.

Se não estivermos munidos de uma boa chave de fendas e de um martelo, ferramentas que, normalmente, não fazem parte do equipamento disponível, abrir a janela do apartamento pode ser uma aventura.

Os suicídios dão mau aspecto e ficam caros.

Ao conseguir abrir a tal janela, sentimo-nos mais próximos da natureza e com a sensação de estar em pleno Portugal rural, numa daquelas divisões situadas por sobre os estábulos.

É pouco provável que do império económico do Sr. Bloomberg conste a indústria do carriage. Não deve por isso haver dúvidas na honestidade da votação, apesar do número de acidentes que as carruagens provocam.

Se aqui vivesse, se vivesse na que é uma das zonas mais caras da cidade e apesar da minha origem Beirã, teria sérias dúvidas na opção a votar.

E não seria somente pelos acidentes que este tipo de trânsito provoca vitimando pessoas e animais, mas pelo cheiro a "tétano" que paira no ar.

Carriage - Central Park, NYC

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

NY - short story 2

Numa manhã destas encontrei-me com uma vizinha que passeava o cão. Na tarde desse mesmo dia - talvez um dia depois - o cão não era já o mesmo, era um upgrade do que vira anteriormente. No dia seguinte trazia dois, magros e descarnados (conheço mal as raças) como os corpos de algumas das velhinhas do quarteirão com a cabeça inchada de tantas intervenções plásticas (silicone no cérebro?).

Com um olhar mais atento notei que não tinha o ar sereno que lhe colara da primeira vez que a vira, pelo contrário havia traços de distância amarga no seu olhar.

Afinal eu não tenho uma vizinha que passeia o seu cão.

Eu cruzo-me à saída com uma imigrante vinda de Leste cujo trabalho é passear os cães das minhas vizinhas e das vizinhas das minhas vizinhas nos entremeios do trabalho que mantém num popular restaurante italiano do Village. Por ser vastamente frequentado por estudantes da NYU o ambiente é geralmente descontraído e animado mas o tip é magro, vindo-lhe daí a necessidade de tocar alguns dos instrumentos que a vida lhe vai colocando no caminho.

O que é a vida de cão?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

NY - short story 1

Sete e meia da manhã. Uma jovem mãe desce a 6ª Av. fazendo jogging enquanto empurra um carrinho de bebé, ziguezagueando por entre os transeuntes que tomam o pequeno-almoço no caminho para o trabalho: um copo de café com leite na mão esquerda acompanha-lhes o passo rápido, a mão direita leva à boca um muffin que vai largando passas de uva pelo chão.

E a Mãe continua correndo, corre passeio abaixo empurrando o carrinho.

Em NY já se nasce a correr. Ou para correr.