TEJO
Vamos
descendo a encosta aos tropeções, pelo caminho aberto pela escavadora que insiste
em sulcar a massa xistosa que se desprende vale abaixo, abrindo um caminho
serpentiforme, como que o prenúncio de algumas das formas que, gravadas,
encontraremos nas rochas que ladeiam o rio.
Uma plataforma rochosa, miradouro natural, deixa-nos suspensos sobre o rio. A nossos pés, realmente sob os nossos pés, os barqueiros que nos
esperam retiram a água que a velha barca deixa entrar. Mãos em concha à volta da boca, como há já muito tempo se fazia, estabeleceu-se o contacto, demos-lhes conta da nossa chegada.
Continuámos a descida, agora aliviada pela visão do rio e das
suas margens, objecto da nossa "exploração".
Suspensos
de um céu refletido nas águas conquistamos a ausência de gravidade e
atravessamos o rio. Não se ouve sequer o soar dos remos que os músculos tensos
do barqueiro nele cravam.

Ajudado
pela Sónia, minha filha, estudante de Antropologia, vou tomando as primeiras
notas, e juntos vamos descobrindo o modo de fotografar as gravuras (o sol
balança-se por perto do zénite, o que facilita a leitura das que se encontram em
posição vertical, mas prejudica a das que estão na horizontal).
O Canau Es padinha, escultor, quarto elemento deste grupo que
começa a sofrer os efeitos da desidratação e da falta de alimentos - sem darmos
por isso, fomos atirados para as quatro da tarde - perde-se pela aridez da
margem, explorando e registando a riqueza das texturas e o cromatismo das
lâminas de xisto e, providencial, encontra um pouco de sombra onde abrigarmos a
cabeça, visto ser impossível encontrar uma área que nos proteja mais do que
isso.
A comoção
causada pelo rigor formal das gravuras e pelas soluções estéticas encontradas era
tal que contagiou o grupo.
Recordo a
surpresa que foi a descoberta de uma
gravura cujo tema é um antropomorfo levantando um veado morto, como que
oferecendo-o ao sol. O recorte do picotado, a mestria oficinal e o modo
delicado de o conceber são de um rigor tal que mais parecem saídos do cinzel de um ourives, de tão finamente recortadas e
precisas que são as ritmadas incisões.
E isto
revela um cuidado labor, um elevado nível não apenas técnico mas também
cultural das gentes que ali viveram e que lavraram as pedras das margens do
Tejo nelas plasmando as suas crenças, os seus fetiches, os ícones que, como
acreditavam, os ajudavam a sobreviver. Ou a viver.
Com estes
registos ficámos a saber muito mais sobre a história destes Homens.
Este texto é a versão de um outro com o
mesmo título que escrevi para o catálogo[1]
da exposição que apresentava o conjunto de obra gráfica inspirado nas gravuras
do Vale do Tejo em Ródão, na sequência da primeira visita àquele complexo de
arte rupestre.
Foi
publicado na edição nº 4 da Revista AÇAFA On Line, nos 40 anos do
início da descoberta da Arte Rupestre do Tejo (Associação de Estudos do Alto Tejo).
[1] David de Almeida - Catálogo de Exposição, 1993, Galeria da Livraria
Portuguesa. Instituto Cultural de Macau,
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